MPF pede intervenção judicial na vale para garantir segurança de barragens
O Ministério Público Federal (MPF), por meio da Força-Tarefa Brumadinho, ajuizou ação civil pública, com pedido de liminar, para que seja determinada a intervenção judicial na Vale S.A., exclusivamente no que se refere às funções corporativas encarregadas da elaboração e implementação de planos e políticas de segurança interna da empresa.
O MPF quer que seja nomeado um interventor judicial para identificar, em até 15 dias, os diretores e demais gestores da alta administração que deverão ser afastados de seus cargos, a fim de possibilitar que o interventor assuma todos os trabalhos atinentes à sua atividade.
O MPF pede que esse interventor elabore um plano de trabalho de reestruturação da governança da mineradora, que deve incluir metas de curto, médio e longo prazos.
Também deverá ser explicitada a metodologia de trabalho, que deverá seguir padrões internacionalmente reconhecidos em termos de medidas preventivas de desastres, de transparência, responsabilidade, bem como incluir uma perspectiva de desenvolvimento das atividades empresariais da companhia que seja respeitoso aos direitos humanos, inclusive no tocante ao direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado.
O plano deverá ser submetido ao juízo e aprovado, após manifestação das partes, no prazo que for judicialmente determinado.
Segundo a ação, ao contrário do que afirma publicamente e de dados que divulga, a Vale desenvolveu ao longo do tempo uma cultura interna de menosprezo aos riscos ambientais e humanos, na qual se apropria dos lucros de suas operações, mas repassa para a sociedade os riscos e efeitos deletérios de sua gestão, acarretando uma verdadeira situação de irresponsabilidade organizada.
Os desastres do rompimento das barragens de Fundão, em Mariana, e da mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho, são as manifestações mais evidentes dessa conduta, mas não as únicas, que está disseminada na cultura corporativa da mineradora.
A ação cita que eram duas barragens que, “em razão do descompromisso da Vale com a segurança de barragens de rejeitos e, consequentemente, com o meio ambiente e a vida, romperam-se e causaram, num curto espaço de tempo entre elas, os dois maiores desastres sociotécnicos do Brasil”.
Para o MPF, esses desastres não são exceções, mas uma forma reiterada de comportar-se, uma política sistemática de gestão de riscos que privilegia a produção e o lucro em detrimento da segurança, pondo em risco a própria vida humana.
Como é público e notório, outras barragens estavam prestes a romper e, se não fosse uma atuação das instituições do sistema de Justiça, não haveria o acionamento em massa dos planos de ação de emergência dessas barragens que pertencem à mineradora, apesar de a Vale negar que havia qualquer problema com elas.
O resultado foi a remoção de diversas comunidades que residiam a jusante dessas estruturas, de modo a evitar a repetição de desastres como os já ocorridos.
Falhas graves. Em razão disso, foram firmados vários termos de ajustamento de conduta com a Vale para as minas de Capitão do Mato, Cauê, Conceição, Gongo Soco, Mina do Meio e outras, bem como para as estruturas remanescentes das Minas Capanema, Fazendão, Córrego do Meio e Mina de Águas Claras.
Por meio deles, contratou-se de forma emergencial uma consultoria independente para reavaliar as informações que a empresa havia fornecido aos órgãos de controle quanto à segurança dessas barragens, em nada confiáveis, como a de Fundão e as da mina do Córrego do Feijão.
As consultorias detectaram falhas graves, que foram objeto de recomendações ou ordens judiciais direcionadas à Vale para que as corrigissem.
Problema maior. De acordo com a Agência Nacional de Mineração (ANM) o Brasil possui 841 barragens de rejeitos de mineração, das quais 441 estão inseridas na Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB). Destas, 145 são empreendimentos de responsabilidade direta da Vale.
Pela legislação, é de responsabilidade de cada empreendedor de barragens elaborar e implementar o plano de segurança das instalações. Também integra seu conjunto de atribuições o Plano de Ação de Emergência de Barragem de Mineração (PAEBM), inspeções de segurança e respectivos relatórios, além de uma revisão periódica do Plano de Segurança, devendo de tudo ser informada a ANM.
A partir daí, cumpre acompanhar o atendimento às normas por meio do Sistema Integrado de Gestão em Segurança de Barragens (SIGBM), em que o empreendedor apresenta as informações referentes a barragens de sua responsabilidade.
De forma complementar, a ANM deveria realizar fiscalizações para comprovar tais informações fornecidas pelo empreendedor. Mas não é isso o que acontece. Segundo a ação do MPF, diante desse cenário “não é exagerado afirmar que impera no Brasil, na prática, a autofiscalização dos empreendimentos minerários”.
Falta de governança. A mineradora alega seguir um sistema de governança, que é conhecido como modelo de “Três Linhas de Defesa”, desenvolvido pelo Institute of Internal Auditors (IIA). Teria sido implementado após o rompimento da barragem de Fundão, em 2015.
Porém, a sua não implementação é evidente, como demonstram tragicamente o desastre do colapso de estruturas da Vale em sua mina no Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG) e inúmeros outros episódios constatados posteriormente em outras instalações da companhia.
Após o rompimento da barragem em Brumadinho, a investigação levada pelas autoridades revelou que essas supostas linhas de defesa tinham diversas falhas e não possuíam a independência necessária para agir e prevenir desastres.
Foi apurado que, na verdade, os aspectos de segurança considerados pela Vale são quase que exclusivamente focados em segurança do trabalho e que a segurança das estruturas de rejeitos sempre foi relativizada.
“Vigora na Vale um verdadeiro sistema de irresponsabilidade corporativa: o que, à primeira vista, pode transparecer uma só omissão quanto aos procedimentos e ao trato dos riscos das atividades empresariais, ao olhar mais acurado e investigativo revela um sem número de ilegalidades reiteradamente cometidas no âmbito de uma das maiores mineradoras do mundo.
Quem paga a conta: as pessoas atingidas, o estado e a sociedade brasileira. Quem deve estar blindado de responsabilidade: os membros do alto escalão empresarial (irresponsabilidade organizada)”, diz a ação.
A Força-Tarefa do MPF ainda ressalta que a intervenção é a única medida possível para, além da estruturação de uma nova governança, romper uma cultura organizacional hierárquica arraigada na resistência à exposição de problemas, críticas, assim como aos aprimoramentos exigidos.
“Tudo quanto demonstrado nesta ação conduz à inevitável conclusão de que o sistema de governança adotado hoje pela Vale tem gerado extensos e profundos danos à sociedade, além de caracterizar uma atuação desrespeitosa aos direitos humanos, entre os quais o direito ao meio ambiente”.
Pedidos. O MPF pede que seja elaborado um plano de trabalho de reestruturação da governança da empresa.
O plano deve incluir metas de curto, médio e longo prazos, explicitação da metodologia de trabalho, que deverá seguir padrões internacionalmente reconhecidos em termos de medidas preventivas de desastres, de transparência, responsabilidade, bem como incluir uma perspectiva de desenvolvimento das atividades empresariais da companhia que seja respeitoso aos direitos humanos, inclusive no tocante ao direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Esse plano deverá ser submetido à Justiça e aprovado.
Também foi pedido que a Vale contrate uma empresa de auditoria independente, preferencialmente entre quatro maiores do mundo, que ficará responsável por auditar a nova governança implementada. Esses relatórios deverão ser submetidos ao MPF, à CVM e à ANM, recomendando e indicando as melhorias e incrementos vinculantes.
Pagamento de dividendos. Como medida coercitiva (art. 139, IV, do CPC), foi pedida a vedação do pagamento de dividendos ou juros sobre o capital próprio, até que o interventor ateste a plena colaboração da empresa com as medidas de intervenção, bem como, a qualquer tempo, quando forem relatadas, pelo interventor nomeado, dificuldades, óbices ou atraso no cumprimento das medidas de reestruturação.
Também são rés a Agência Nacional de Mineração (ANM) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Em relação a elas, o MPF pede que sejam obrigadas a supervisionar e fazer as recomendações necessárias à implementação do plano de governança proposto e desenvolvido pelo interventor, apresentando semestralmente ao juízo relatório com os resultados das suas avaliações.
Em relação à ANM e à CVM, o MPF pede que lhes seja facultado migrarem para a condição de autoras.
(ACP nº 1035519-02.2020.4.01.3800 – PJe)