Especialistas e entidades condenam ensino domiciliar
O ensino domiciliar como alternativa no processo educacional da criança foi condenado durante audiência pública promovida pela Comissão de Educação, nesta quinta-feira (11). No Plenário Dirceu Cardoso, especialistas da área, entidades e convidados argumentaram a falta de legislação para regular o homeschooling e também falaram dos impactos causados pela falta de convivência social.
O presidente do colegiado, Bruno Lamas (PSB), avaliou o assunto como polêmico. “Pesquisando a respeito do tema, soube de exitosos exemplos de crianças que foram educadas sem frequentarem uma escola”, revelou. Mas também considerou que uma das mais importantes tarefas da educação infantil é a socialização para a formação do cidadão.
Pós-doutorado em educação, o professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Rogério Drago avaliou que a diversidade é benéfica para a escolarização, tanto para o aluno quanto para o professor. “O sujeito se constitui ser humano na medida em que ele entra em contato com a diversidade humana. Diversidade essa religiosa, étnica, cultural, social, plural, de gênero”, afirmou.
De acordo com ele, essa interação em alguns momentos não é possível, a exemplo de alunos enfermos que não podem ir ao ambiente escolar. “Mas quem disse que o ambiente escolar não pode estar com essas crianças?” perguntou. Isso não é homeschooling, afirmou ele, que busca uma educação mais inclusiva.
Atendimento domiciliar x educação domiciliar
O professor Paulo da Silva Rodrigues, diretor da Escola Álvaro de Castro Mattos, em Vitória, detalhou mais sobre o atendimento domiciliar escolar, que não pode ser confundido com educação domiciliar. Ele falou sobre sua pesquisa, por meio da qual acompanha duas irmãs gêmeas matriculadas em escola da capital, mas que não podem frequentar a sala de aula pois sofrem de uma doença congênita.
Ele falou dos percalços para garantir-lhes o atendimento educacional em domicílio (feito por professor da escola), hoje previsto por uma portaria editada pela prefeitura. No entanto, revelou que aguarda uma lei para regulamentar a atividade.
“A gente tem depoimentos interessantes da família dizendo do desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem dessas estudantes a partir do início desse atendimento em casa”, destacou.
O professor indagou sobre como ficaria a situação se as alunas fossem privadas do direito de serem alfabetizadas pela escola. De acordo com Paulo da Silva, a educação domiciliar, ministrada pelos responsáveis pela criança ou tutores, é contrária à legislação atual. “A família é responsável também pela educação dos seus filhos, mas ela é responsável até uma parte, porque o Estado vem em primeiro lugar com essa responsabilidade”, considerou.
Mesmo entendimento da pedagoga Marciane Cosmo, da Secretaria de Educação de Marechal Floriano. Com base em diversas leis de âmbito federal e estadual, defendeu o protagonismo das escolas no processo educacional das crianças e jovens.
Vácuo legal
A promotora de Justiça Maria Cristina Rocha Pimentel, da Promotoria Regional Especializada em Educação da Região da Grande Vitória, afirmou que, devido à ausência de amparo legal, hoje o Ministério Público do Estado (MPE-ES) não pode validar qualquer ação judicial perpetrada por alguma família para garantir o não abandono intelectual em casos de ensino domiciliar.
Maria Cristina frisou que, com raras exceções, o ensino deve ser presencial. Ela citou um apanhado de leis e decisões envolvendo o homeschooling, inclusive uma do Supremo Tribunal Federal (STF), segundo a qual é necessária regulamentação geral dessa modalidade de ensino a ser editada pelo Congresso Nacional.
“Enquanto isso não for regulamentado não há que se falar em homeschooling”, destacou. Ainda conforme a promotora, leis municipais e estaduais que autorizam o ensino domiciliar são inconstitucionais.
Representante do Conselho Estadual de Educação (CEE), Cleonara Schwartz destacou contrariedade da entidade com a iniciativa. Conforme disse, o papel social da escola hoje é educar e cuidar. “Sabemos que existem muitas situações de violência com as crianças (…) e elas acontecem infelizmente no reduto domiciliar. A escola tem tido papel muito importante para identificar os abusos e violências”.
O diretor do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Espírito Santo, Menderson Rezende, afirmou que a entidade não aprova essa modalidade de ensino nos moldes como está sendo posto pelo governo federal. “Como que um cidadão comum (…) vai dar conta de todo um processo educacional de seus filhos, sendo que ele tem também um histórico de uma educação precarizada?”, questionou.
Cartilha
Neste ano, o Ministério da Educação (MEC) lançou uma cartilha para explicar mais sobre a educação domiciliar. Segundo o material, esse modelo de ensino liderado pela família pode ser adotado em todos os níveis de educação básica – que compreende a educação infantil (0 a 5 anos de idade), ensino fundamental (que dura 9 anos) e ensino médio (período de três anos).
A cartilha lembra que pais têm prioridade na escolha da modalidade de ensino que será ministrada aos filhos, conforme consta na Declaração Universal dos Direitos Humanos (artigo 26). Esse direito é garantido em mais de 60 países e, segundo dados pré-pandemia, no Brasil, 17 mil famílias praticam a educação domiciliar (35 mil crianças).
A publicação destaca a necessidade de regulamentação do assunto para, entre outros aspectos, garantir mais uma opção de ensino; diferenciar a educação domiciliar e o abandono intelectual; respeitar a liberdade das famílias; estimular o exercício da cidadania e trabalho voluntário; e acabar com o preconceito e discriminação que envolve o tema.
O assunto levanta questionamentos acerca da ausência de socialização durante o processo educacional das crianças e jovens, mas, conforme a cartilha, a relação entre as pessoas é constante e acontece durante grupos de famílias educadoras e com estudantes de escolas regulares. Entre as práticas comuns na educação domiciliar, o material lista a valorização de fontes primárias nos estudos.